Pronação Excessiva e Lesões na Corrida

 


 

 

 

 

 

pronação do pé é um movimento natural, que se caracteriza por uma dorsiflexão, associada à uma abdução e eversão. Em linguagem não técnica, o pé dobra pra cima, abre lateralmente e cai pra dentro. Quando o pé está apoiado no chão o que se observa com mais facilidade, via de regra, é a “queda do pé para dentro”. Essa é uma forma simplificada de descrever a pronação. De fato, ela pode ocorrer na região de trás do pé (retropé), no meio do pé (médio-pé) e mesmo na região da frente do pé (antepé).  

 

 

uma pronação, supostamente, excessiva do pé

 

 

Tradicionalmente, a pronação excessiva é associada a uma maior incidência de lesões em esportistas, especialmente, mas não exclusivamente, em corredores. Porém, o “tradicionalmente” é estabelecido mais com base em opiniões e falácias do que em dados cientificamente estabelecidos. Aliás, nem se tem ao certo, até hoje, o que é uma “pronação excessiva”. Neste breve texto, vamos verificar o que vem sendo pesquisado, cientificamente, em relação à pronação na corrida e a ocorrência de lesões. Para isso, iremos olhar a estudos prospectivos, ou seja, estudos que avaliam indivíduos antes de eles se submeterem a uma intervenção (treinamento esportivo ou procedimento similar) e os acompanham durante algum tempo. Depois são comparados os dados iniciais daqueles que desenvolveram a lesão estudada com os daqueles que não desenvolveram lesão. Se contrapõem a estes os estudos retrospectivos, que comparam indivíduos que estão com a lesão com os que não têm. O problema é que a lesão em si pode provocar alterações na postura e no movimento e, dessa forma, não se sabe ao certo se o que foi observado ajudo a promover a lesão ou apareceu depois dela.

 

 

 

 

 

Estudos Prospectivos com Corredores

 

 

 

 

HEZAR et al (2009) encontraram uma menor pronação como fator de risco para lesões de overuse nos membros inferiores. Eles avaliaram corredores iniciantes prestes a iniciar um programa de treinamento de 10 semanas. O grupo avaliado (131 pessoas) consistiu, em sua maior parte, de mulheres (111), sendo que todos tiveram suas medidas antropométricas e de pressão plantar (durante a corrida descalça) avaliadas previamente ao início do programa e foram acompanhados ao longo deste. 27 indivíduos (5 homens e 22 mulheres) desenvolveram o tipo de lesão estudado, e foram então comparados àqueles que não desenvolveram lesão nenhuma (104 indivíduos). Houve um “roll-off” (avanço sobre o pé apoiado) mais lateralizado em quem desenvolveu lesão, inferindo uma maior supinação assim como uma inferida menor pronação do pé durante o contato inicial e nos momentos imediatamente seguintes a este.

 

O estudo de THIJS ET al (2008), avaliou a biomecânica da corrida (através da plataforma de força) de corredores prestes a iniciar um programa de treinamento. Foram avaliados 102 corredores (89 mulheres), acompanhados durante o período de 10 semanas que durou o treinamento. Desses, 17 desenvolveram lesão (16 mulheres), e análise de dado revelou que os corredores que desenvolveram dor patelofemoral apresentavam maior impacto (pico de força vertical) na pisada. A postura do pé (pronado, supinado) não foi correlacionada com o desenvolvimento da lesão.

 

NOEHREN ET al (2013), também investigando risco para desenvolvimento da dor patelofemoral, acompanharam 400 corredoras ao longo de dois anos, sendo que 15 atletas desenvolveram a lesão. A avaliação inicial foi feita através de plataforma de força e análise tridimensional (“motion analysis”). Ao se comparar os dados daqueles que desenvolveram a lesão com os que não desenvolveram, maior pronação não foi identificada como fator de risco, mas sim uma maior adução de quadril, sendo que aqueles que desenvolveram a lesão tendiam, inclusive, a apresentar menor eversão de retropé.

 

Outra lesão que parece não acontecer devido à pronação excessiva do pé é a Síndrome da Banda Íliotibial, pelo menos de acordo com o estudo de NOEHREN ET al (2007) que avaliou mulheres corredoras não-iniciantes. Para eles, uma maior rotação interna do joelho (devido ao movimento do quadril) e a maior adução do quadril foram identificados como fatores de risco durante a corrida. De fato, aqueles que desenvolveram lesão tenderam a ter um retropé menos evertido durante toda fase de apoio, embora um pequeno número de indivíduos que se lesionou tenha apresentado maior eversão do retropé.

 

VAN GINCKEL ET al (2009) também não encontraram um aumento na pronação como fator de risco durante a corrida, para desenvolvimento de Tendinopatia de Aquiles. Eles avaliaram (através de plataforma de força) 129 corredores iniciantes (109 mulheres), ao longo de um programa de 10 semanas de treinamento. Destes, 10 (8 mulheres) desenvolveram a lesão estudada e, na comparação com aqueles que não desenvolveram lesão, além de uma menor transferência de força no pé (que pode estar ligada a uma menor força de propulsão), uma menor pronação como fator de risco para a lesão estudada.

 

 

 

 

Considerando-se os estudos apresentados, que avaliaram, prospectivamente e durante a realização do gesto esportivo, o risco de lesão em corredores, observa-se que NENHUM identificou a pronação aumentada como fator de risco de lesão. Isso é significativo, especialmente porque alguns deles identificaram uma menor pronação como fator de risco. Importante salientar que, nos estudos apresentados, a maior parte dos participantes (senão a totalidade) eram de mulheres, assim como daqueles que se lesionaram. Por outro lado, aparentemente o discurso de que a pronação aumentada é um fator de risco para lesões em corredores pode, no mínimo, começar a ser questionado, já que outros fatores, como aumento do impacto vertical e menor pronação, parecem ser fatores de risco mais comuns, ainda que vinculados, pelo que foi apresentado, a lesões específicas.

 

 

 

 

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